O GRANDE DIA

Assim que cara amarela despontou no horizonte, mostrando a graça do sorriso, Roy abriu a porta do aposento do pai, abruptamente, e anunciou:

−Despertem, porque a cidade está cercada.
Com olhos abertos, porém desnorteado, James quis saber o que estava acontecendo.
−Chegue à janela que verá. O grande dia chegou.
Pulou da cama, afastou a pesada cortina, olhou para as montanhas e avistou Carambolas e mais Carambolas, em traje de guerra, aguardando, ao que parecia, por alguma ordem.
−O Xerife já está ciente? – perguntou gaguejando.
−Certamente, papai.
A pequena Sara havia acordado e, ainda sonolenta, juntou−se a eles dizendo que estava com medo. A mãe tomou−a nos braços. James, que já havia trocado−se, apanhou o rifle e, seguido pelo filho, deixaram a residência e se dirigiram para o escritório do Xerife.
−... Quais as providências, senhor Xerife? – quis saber o senhor James.
–… Todas…
O prefeito e o juiz, menos dorminhocos, assessoravam o Xerife. O juiz, ao vê−los adentrar, evitou olhar para Roy.
−Contatou com o Forte Lion? – telefonado. O único acesso que o telefone com “batedor” dispunha.
−Já.
−E? – quis saber Roy.
−Aguardar.
−Por no mínimo duas horas.
−Perfeitamente.
James perguntou se já havia sido providenciado o pedido à população no sentido de que permanecesse em silêncio no interior das casas, que não saísse e que não disparasse nenhuma arma de fogo. O Xerife respondeu que os solados estavam encarregados disso.
−Apenas por fazer, senhor James. A população sabe como se comportar.
Referiam−se à retidão da tribo Carambola que, uma vez em vantagem, só atacaria se fosse hostilizada.
−Sinto−me humilhado. Permanecer quieto e calado é o mesmo que ter escrito na testa: “maricas”. – resmungou Roy.
−O mundo pertence aos humildes, garoto. – poetizou o idoso juiz.
−Não sou garoto. – protestou Roy.
−É sim!
O Xerife, a fim de estancar possível evolução do desentendimento, disse que não tinha certeza se os Carambolas sabiam que o telefone ainda funcionava. Caso contrário, era para ficarem tranquilos, pois seu olheiro correria para avisá−los de que a infantaria estava a caminho, quando já estivessem bem próximos.
Roy, que se sentia humilhado e ofendido, abriu a porta e saiu.
−… Para onde vai, Roy?! – quis saber o pai abrindo a porta.
Ao adentrar, sem obter êxito, o juiz disse que o filho dele era maluco.
−O que posso fazer, senhor juiz?
O juiz, que ainda fumava, acendeu a cigarrilha sem nada dizer.
Minutos depois, Roy retornou e contou que, na extremidade, à esquerda da avenida, a linha de frente estava posicionada: Bil Uil, Estefânia, Águia Verde, Dam e Anis.
−Enfezados!… – zombou Roy.
−Traidores. – replicou o Xerife.
−Basta! – gritou o juiz.
Com o ato, o prefeito olhou para o Xerife e, em seguida, para James. Roy, por sua vez, disse que iria entretê−los.
−… Volte aqui, Roy! – gritou o senhor James mais uma vez à porta.
Tylide estava submersa em silêncio.
−Que silêncio é esse, Blake? Nenhum chiado de charrete? – queixou a senhora Luanda, levantando−se.
−É verdade. – concordou o esposo acompanhando−a.
Então, à janela, sem grandes esforços de visão, assustaram−se com a cena.
−… A cidade será invadida, Lu. – reagiu o esposo.
Roy, com gestos palhaços e obscenos, hostilizava a “linha de frente.”
−Roy é realmente maluco, Blake. Provoca feições carregadas de noites mal dormidas, sede e fome.
−Repare os arremessadores de lança Lu, estão ciscando. – em trajes de guerra. Montados, ladeavam a “linha de frente”.
Como se fosse um amuleto, a senhora Luanda correu a mão no cocar hasteado e abandonou a janela. O esposo, momentos depois, ao voltar-se, viu a mulher em poder do rifle.
−O que foi que eu disse? – perguntou ela.
−… Lu…
−Saia da frente. A cidade é cúmplice. Estão aguardando a infantaria do Forte Lion chegar para massacrá-los e eu não vou permitir.
−… Lu…
Preparou o rifle e apontando para ele ordenou:
−Saia da frente.
−Fala sério, Lu?
−Falo… Saia da frente.
−Lu…
−Saia da frente!
O esposo cedeu… Ela chegou à janela, gritou pelo nome do filho, apontou para o alto e disparou.
−… Quem foi o louco?! – perguntou em desesperado eco o Xerife.
Nesse ínterim, uma lança arremessada por um dos treinados Carambolas passou em alta velocidade e atravessou o peito de Roy. Caído com a lança atravessada no peito ficou se debatendo.
−Viu o que você fez, Lu?
−Para aprender a deixar de ser palhaço.
Liderados por Águia Verde, avançaram. Das montanhas, Carambolas e mais Carambolas desciam. Passaram a atear fogo nas casas. Na medida em que os moradores iam saindo eram alvejados. Longe de ser uma batalha: um massacre era o que acontecia. Bil Uil estourou os miolos do Xerife junto à parede. Estefânia, em luta com James, se apoderou de uma machadinha e o decapitou. O prefeito, que era amigo, protegido por Carambolas, conseguiu escapar. Dam e Anis mantiveram−se escondidos. O juiz não tivera sorte. Tentando se escapar, montado num cavalo, foi alvejado com um certeiro tiro desferido pela senhora Luanda.
−Matou-o, Lu! – observou o esposo.
−Covarde. Com medo de retaliações, remeteu o processo de nosso filho para a cidade grande.
Quando a infantaria do Forte Lion adentrou a cidade, cerca de duas horas depois, tudo que encontrou foram sobrados em chamas e um rio de corpos sem vida espalhados pelas ruas.
−… Com mil demônios… – balbuciou o comandante à frente da infantaria, procurando caminho menos dificultoso para poder passar.
−Para cada Carambola morto há quarenta tylidenses. – observou o subcomandante. Havia muito para ser feito: apagar focos de incêndio. Cavar covas e enterrar os corpos.

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