PREPARANDO-SE PARA SEGUIR

          Puxando pelas rédeas, Bil Uil testava as novas ferraduras confeccionadas por Dam que lhe ordenara que montasse.

          −… Muito bem! Acelere…
          No entanto, pediu para que se aproximasse. Havia um pino saliente que estava fazendo-o mancar… O ferreiro ergueu a pata afetada do animal, aplicou alguns golpes de martelo no pino rebelde e mandou que repetisse o teste.
          −… Excelente!
          Com o animal, pisando firme, Bil Uil o estancou junto do amigo e, dando sinais de que partiria, Dam perguntou se não iria acatar as ocultas, mas compreendidas palavras.
          −Compreendia que eu entendia, Dam?
          −Compreendia, Uil.
          −Mas lamento, Dam! Presentearam−me com um “bilhete”.
          Dam tornou−se pensativo.
          −Estamos quites, amigo? – perguntou Bil Uil com um sorriso.
          −Estamos, Uil. Pagou mais do que o devido.
          Partindo, Dam, ainda pensativo, adentrou o estábulo, se desfez do avental, guardou as ferramentas, apagou o fogo, colocou feno nos coxos, fechou o estabelecimento e montou no cavalo, com endereço certo, em mente, do lugar onde se abrigaria. Sabia que, na primeira detonação ecoada, viriam atrás dele e eles não eram nada piedosos.
          Ainda não havia escurecido. Bil Uil, a poucos metros da cidade, sentava−se sob uma árvore aguardando a noite chegar. Recordava-se do dia da forçada partida, ocorrida há dezesseis anos, órfão e abandonado na rua… “Suba, garoto!”. Dissera afável a mulher forasteira. “Suba, rapaz! Brevemente teremos um lar.” Dissera o esposo também afável.” Curiosos, observavam. Estefânia, que ali se encontrava, tinha o braço seguro, firme pelo punho da mãe. Assustado, amedrontado e envergonhando, olhando em direção do Escritório do Xerife, lá estavam eles: o Xerife. Dylan. Isaac. James e Manarry, à porta do prédio, conversando e fumando, acompanhavam a cena. Figuras sinistras que pousam de heróis numa história mentirosa contada por eles mesmos de que haviam aconselhado e lutado para impedir que seus pais se suicidassem. Olhava−os: ‘Voltarei e ai das cabeças de vocês.’ Pensamento fortalecido, olhou para as feições alegres e joviais do casal de forasteiros resolvendo subir. “Palmas!” Festejara a mulher… Casal de dignos malucos, cujo tear adquirido seria a salvação da vida deles.
          Envolvido com as amargas e doces recordações, esquecerá a barba. Mas ainda havia um pouco de luz natural. Ergueu−se e, de uma das mochilas acomodadas no lombo do animal, apanhou apetrechos. Pendurou o pequeno espelho num dos galhos da árvore e, num córrego próximo de águas límpidas, ensaboou o rosto… A navalha estava afiada, conferiu.
          Tendo a noite caído, montou no animal e seguiu em lentos trotes de encontro à cidade. O Salão Manarry, destino previamente estudado, situava-se na avenida principal que, àquela hora da noite, era rescaldo de um dia. Muitas vezes afogado num dos salões da vida, que no caso era o Salão Manarry, o mais requisitado. Desmontou, amarrou o animal, subiu degraus e empurrou o vaivém adentrando-se.
          −Quer casar comigo, bonitão? – ouviu.
          Não diferenciava dos muitos sofisticados salões que conhecia: lustres importados, homens às mesas jogando arriscado carteado, caubóis ao longo do balcão embriagando−se, oportunistas dançarinas namorando, enquanto o espetáculo não se iniciava, com fazendeiros “oitentões” endinheirados, e ultrapassadas dançarinas embriagadas e abandonadas nas mesas vazias, implorando por uma aventura… Junto ao balcão, Bil Uil havia solicitado uísque e tragava. Cigarrilha acesa indo aos lábios. Voltado para o salão, acompanhava discretamente os passos da vadia, meditando: “Voltarei e ai das cabeças de vocês.” “… o meu tormento, Dam, assemelha-se à de um sentenciado à morte aguardando, porém, por uma sentença às avessas.”
          −Linda como sempre, Manarry!
          −A sorte certamente o contempla, querido!
          −Acompanha−me, Manarry?
          −Depois da vigésima quinta hora, amor!
          −Hoje estou a toda lindeza!
          −Reside tão próximo, fofinho!
          Assim, num deboche recíproco, ia passando de mesa em mesa distribuindo simpatia… Apesar de dezesseis anos terem se passado, a sádica e ambiciosa mulher continuava imbatível. Vestida num longo verde, maquiada e cabelos arrumados, curvava−se diante das mesas dos abastados clientes envolvidos no carteado… Estava ansioso para enviá−la para o inferno. No entanto, para que a ânsia aumentasse, fora Manarry requisitada por um senhor que parecia especial. Sentava−se a uma isolada mesa. Ouvindo−o, fechava os olhos e balançava a cabeça afirmativamente.
          −Entendi.
          −Previsão de seis meses.
          −Entendi. – disse, afastando−se.
          Então, por trás do balcão, Bil Uil, voltou-se, ergueu o chapéu e estendeu−lhe a mão. Manarry, com feição interrogativa, ao segurá−la. Ele, com um sorriso, identificou-se: Bil Uil! Desenhando, imediatamente no rosto da vadia, feia figura de uma carranca assustada.
          −…!
         −Adeus, Manarry! – anunciou mansamente, mantendo o sorriso e disparando. − Bum!
          −… Com mil diabos! – gritou alguém.
          Crânio esfacelado voara em todas as direções. Restando de Manarry, em frações de segundos, um corpo sem cabeça tombado no chão.
          Perplexos, todos de pé, limpavam−se.
          −Santo Deus!
          Enojados dos fragmentos salpicados com fios de cabelo, Indagavam−se atônitos.
          −O que foi isso?!
          Dançarinas que haviam corrido para espiar acercavam chorosas o corpo da madrinha morta no chão, sem a cabeça.
          −Oh, senhor!
          Não demorando para que o salão fosse invadido por três velhas autoridades, algozes de Bil Uil: o Xerife, Dylan e James.
−Quem fez isso com você, madrinha? – implorava em prantos uma dançarina.
          A “afilhada”, profundamente sentida, irredutível, socando o chão, insistia em perguntar:
          −Quem fez isso com você?
          Soprando imediatamente o Xerife para os dois companheiros, a resposta que ela procurava:
          −Bil Uil.
          −… Viera em mente… – confessou Dylan. Alto e gordo.
          Uma vez, o estábulo de Dam então cogitado, pois era ponto obrigatório de todo e qualquer cavaleiro forasteiro. James pediu para que aguardassem por Isaac. Logo surgiu. Depois de espiar o estado da amiga, juntou−se a eles perguntando:
          −Suspeitam de alguém?
          −Bil Uil. – balbuciou o Xerife.
          −Nome que pensei.
          O Xerife passou instruções para Barney, o não oficial auxiliar, e deixaram o salão. Montaram nos animais e, com a mesma ânsia de dezesseis anos atrás, cavalgaram no mesmo escuro da noite, dirigindo-se, no entanto, para o estábulo do ferreiro Dam. Chegado ao local, o Xerife, com o cavalo ainda em movimento, desmontou e passou a vistoriar o estábulo.
          −… Está trancado, não há ninguém! – anunciou.
          −Ausência suspeita, Xerife! Isso nunca acontece, é residência fixa do mal amado. – replicou Isaac de cima do cavalo.
          O Xerife correu o estábulo mais uma vez.
          −… Não se encontra…
          −Toca fogo nessa merda, Xerife!
          No entanto, montou e ficaram olhando em volta.
          −… Só pode ter sido Bil Uil.
          −Garanto−lhes: será prato cheio para os famintos porcos do Elton.

CAPÍTULO - III
COMOÇÃO E MEDO

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